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A importância de refletirmos sobre saúde mental como uma questão coletiva

Durante o ano, alguns meses marcam a luta dos movimentos sociais por visibilidade em relação a algumas discussões referentes aos cuidados com a saúde. Um exemplo importante disso é o Janeiro Branco, que desde 2014, vem fortalecendo o debate em prol da saúde mental, se dedicando a trazer para o centro reflexões sobre temas relevantes a respeito de precaução e chamando a atenção da sociedade da necessidade humana em olhar para o assunto com mais atenção. Assim como o Setembro Amarelo, que discute mais especificamente a prevenção ao suicídio, há também o Outubro Rosa, que na mesma perspectiva trata do câncer de mama e de colo do útero, e o Novembro Azul, que é considerado o mês mundial de combate ao câncer de próstata. 


A cor branca para simbolizar o período refere-se à representação de folhas ou telas em branco, onde podemos projetar, escrever ou desenhar expectativas, desejos, histórias ou mudanças com as quais sonhamos ou desejamos concretizar. Este ano, o tema escolhido para complementar as discussões falou sobre a busca por equilíbrio na vida e, em entrevista para o programa Viração, o Professor Associado do Curso de Psicologia da UFPel, José Ricardo Kreutz, abordou a temática. 


O docente, que estuda a filosofia e a psicologia da diferença, diz que sempre teve uma visão crítica a essa ideia de solidez e explica que: “o equilíbrio sempre foi uma espécie de utopia na saúde mental, não existe um estado completo. Eu, por exemplo, prefiro o termo metaestabilidade. A gente tem estados de estabilidade, de uma certa territorialização, de uma certa acomodação nessa grande gestão de afetos que é a saúde mental e não exatamente um equilíbrio, porque o equilíbrio ele pressupõe uma estática, não uma dinâmica”. 


De acordo com isso, quando refletimos e pensamos sobre o nosso estado biológico, percebemos o quanto momentos de desequilíbrio são importantes para nos alertar a respeito de sinais que o corpo nos dá para avisar que alguma coisa está acontecendo. Nos aspectos psicológicos, esses desequilíbrios também são percebidos e algumas vezes eles são necessários, como, por exemplo, quando geramos, a partir de estímulos de ansiedade, estados de vigilância para sobrevivermos no mundo. 


“Existe uma ideia, hoje, de felicidade, que tu não pode ser ansioso nunca, não se pode ter nada nunca, então essa ideia da ‘vida pede equilíbrio’ é interessante de se pensar, na medida em que a gente aponta para uma vida que pede metaestabilidade, pontas de estabilidade, sócios de um mundo que está colapsado por vários processos. E se nós estamos mais doentes, do ponto de vista da saúde mental, é porque a gente está tendo essa febre da sociedade”, explica Ricardo. 


Nossa saúde mental se relaciona diretamente com o que produzimos na sociedade e nas instituições como um todo e algumas pessoas conseguem se adaptar melhor do que outras, ou seja, essa equação de uma vida que pede equilíbrio também depende desse coletivo. A busca por essa estabilidade precisa ser consciente de que é um processo, em que, às vezes, ultrapassamos esse limite, produzindo mais uma vez o caos. 


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para a sua comunidade. Então, a saúde mental tem a ver com a percepção das nossas habilidades cognitivas, de pensamento, de reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo. No momento em que adquirimos essa habilidade, temos saúde mental. 


“Mas, também, é muito importante perceber o que existe de singularidades em cada comunidade. Não é por nada que a OMS cita essa ideia, portanto, como um conceito que se adapta de acordo com os grupos. A saúde mental é, sobretudo, uma experiência comunitária, então ela tem uma relação intrínseca com o coletivo”, afirma o professor. 


Outros aspectos que vêm sendo considerados fortemente pelos conselhos de Psicologia, tanto federais quanto regionais, que têm preocupado os profissionais da área, são relativos a questões como: racismo, homofobia, transfobia, machismo, intolerância religiosa, os efeitos biopsicossociais da pandemia, recentemente a aporofobia, a violência política, etc. Essas demandas comunitárias devem ser levadas em consideração no conjunto do que envolve saúde mental. 


O desmonte das políticas públicas destinadas à saúde foram sucateadas no governo Bolsonaro, que recentemente atacou diretamente os cuidados com saúde mental, extinguindo as coordenações dessa área e a atenção às pessoas com deficiência do Ministério da Saúde, criadas pelos movimentos sociais, incentivando a internação psiquiátrica e investindo nas comunidades terapêuticas já no início do governo Bolsonaro. Isso tudo difere do que preconiza a OMS e fortaleceu um retrocesso no avanço desse debate, transformando o atendimento à saúde em uma questão moral. 


A pedido de algumas entidades religiosas, recentemente, o presidente Lula criou o Departamento das Comunidades Terapêuticas, voltado ao tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas e isso endossa a expansão de R$ 44 milhões de investimento no ano de 2017, nessas comunidades, para em torno de R$ 100 milhões em 2019. Significa que cerca de R$ 60 milhões estão sendo investidos a menos na rede de atenção psicossocial e nos serviços substitutivos que não trabalham nessa perspectiva da abstinência, e estruturada a partir dessas matrizes religiosas. 


“Isso é muito significativo, é um investimento maciço num formato de cuidado que vai contra a todos os princípios da reforma psiquiátrica, do cuidado em liberdade. A comissão de direitos humanos tem esse levantamento, que é muito sério, do tipo de abuso e violações que essas comunidades terapêuticas e a falta de controle sobre as ações que são desenvolvidas no âmbito delas têm acontecido ao longo dos anos”, destaca Ricardo. 


O Departamento ainda está sob revisão da atual gestão por conta da pressão e das críticas recebidas das entidades representativas e dos movimentos sociais. Amplamente defendidas pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as comunidades terapêuticas funcionam como clínicas de reabilitação e se baseiam no isolamento, abstinência e religiosidade.


Matéria publicada na edição 01/2023 do jornal Voz Docente. Confira aqui. 


A entrevista completa está disponível no podcast Viração da ADUFPel. Escute aqui. 


Assessoria ADUFPel

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