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Entrevista: o papel do jornalismo em meio à pandemia de Coronavírus

A ADUFPel entrevistou o docente do Bacharelado em Jornalismo da UFPel, Ricardo Fiegenbaum, sobre o papel da imprensa em meio à pandemia do Coronavírus e os ataques do governo Bolsonaro a jornalistas.


A entrevista foi ao ar no programa Viração do dia 30 de março e agora é, também, publicada na íntegra. 


Como você avalia a forma com o que Bolsonaro se relaciona com a imprensa durante a pandemia de Coronavírus.  Ele já era agressivo perante o jornalismo antes, mas você acredita que houve uma mudança de paradigma?

Essa é uma estratégia que Bolsonaro adota desde sempre. Estratégia do confronto,  de criar confusão e de mudar o foco do assunto para não ter de responder ou assumir a responsabilidade com as questões que dizem respeito ao povo brasileiro e à nação brasileira. Não acho que houve uma mudança de paradigma nessa relação do Bolsonaro com a imprensa em função da Covid-19. O que talvez tenha havido é que a imprensa, diante de uma excepcionalidade que é essa pandemia, que afeta o mundo todo e com graus diferentes de impactos sobre as mortes, os contágios e as estratégias utilizadas por cada governo... Diante das evidências científicas que o jornalismo começa a trazer confrontando com a postura do governo, o governo Bolsonaro especialmente, o Bolsonaro faz esse movimento de bater na imprensa, ou seja, atacar o mensageiro e não responder sobre a mensagem que está sendo dada. Me parece que é parte da estratégia política de Bolsonaro criar essa confusão, e quando ele cria confusão fala muito mais para seus seguidores mais ferrenhos, aqueles que o endeusam e o chamam de mito, para  fugir da responsabilidade de responder as questões mais centrais. Então, me parece que não há uma mudança de paradigma, mas um acirramento da estratégia de fugir da responsabilidade de responder as questões que ele como presidente da República deveria responder para o povo brasileiro.


Análises de audiência mostram que os jornais tradicionais tiveram um aumento de espectadores durante a pandemia. Como seria possível avaliar isso? Será que há, durante a pandemia, ao menos em curto prazo, um retorno ao jornalismo tradicional?

Eu acredito que há uma mudança em termos de tópico, ou seja, a fonte da informação da imprensa tem sido muito sustentada sobre as fontes oficiais científicas, de embasamento científico. O jornalismo sempre pretendeu tratar das questões com mais objetividade, que é uma origem do positivismo, com uma relação muito próxima ao cientificismo, de como eu construo o distanciamento do objeto, avalio e analiso esse objeto. Quando você tem uma situação de uma pandemia e um caso extraordinário como esse que vivemos hoje, o jornalismo tende a se posicionar muito fortemente em relação a isso, buscando como base para esse posicionamento as evidências científicas. E, nesse sentido, ele também constrói uma narrativa. Se a gente observar como é essa cobertura, a fonte principal dessa narrativa está na Organização Mundial da Saúde e depois em todos os outros cientistas que fazem pesquisa no Brasil e no mundo. Essa fonte é a que dá credibilidade para esse jornalismo porque são as fontes que estão mais próximas dos processos, dos eventos, de tudo que está acontecendo em termos de pandemia. Não creio que haja um retorno ao jornalismo tradicional e vou fazer um parênteses. Quando se trata de economia, a parte do jornalismo sempre busca fontes oficiais ou fontes fidedignas que eles encontram, mas que corroboram uma certa narrativa de como as empresas de comunicação entendem o processo de economia. Nesse caso da pandemia você tem uma excepcionalidade. A fonte confiável é formada por cientistas, é a ciência, mas segue a mesma narrativa, o discurso do “fica em casa”,  porque as evidências científicas dizem isso. Então, me parece que o jornalismo está fadado a dar essa mensagem sob pena de deixar de ser jornalismo ou embarcar, por exemplo, em uma aventura como essa que Bolsonaro propõe de que retornemos à normalidade do dia a dia, quando, na verdade, são as estratégias de confinamento que fazem com que a pandemia seja adequadamente combatida e minimizada sobretudo para aqueles mais vulneráveis. 

A grande audiência dos telejornais hoje, sobretudo do Jornal Nacional, em função da Covid-19, tem, me parece, duas razões: as pessoas estão em casa, não podem sair, o jornal está com um formato e um tamanho muito maior do que normalmente é, e o tema da pandemia é um tema que interessa a população porque ela está de certo modo com medo.  As pessoas estão em casa não porque elas vão ajudar os outros a não se contaminar, mas estão com medo de se contaminar. Me parece que esse aumento da audiência tem a ver com a expectativa ou com a falta de informação que as pessoas têm. Mesmo assim, não deixou de circular em muitos grupos de WhatsApp e outras redes sociais falsas informações, notícias falsas. Algumas, inclusive, divulgadas de forma desonesta pelos filhos de presidente, como, por exemplo, aquele vídeo do Dráuzio Varella, que foi dito em janeiro e que foi atualizado, mas foi publicado nas redes sociais sem mencionar que aquela fala estava datada. Há uma apropriação indevida, também, das redes sociais, dessas informações e ao mesmo tempo um aumento da cobertura que os jornais fazem do evento.  Se a gente ligar a televisão hoje, em qualquer momento do dia, o assunto é a pandemia, as estratégias e os cuidados. Então isso, obviamente, dá um aumento [na audiência] para o jornalismo, se tem muito mais jornalismo. A questão que se coloca é porque o jornalismo não age assim, as televisões não agem assim para dar as explicações e olhar vários lados, cobrir o país todo, nas notícias que interessam a população para além das questões de saúde. Nesse caso, parece uma excepcionalidade. A excepcionalidade parece ser mais do jornalismo do que o cotidiano, quando os problemas brasileiros, por exemplo, de saneamento e de falta de emprego não merecem essa cobertura como está se fazendo agora em relação a pandemia.


Qual você acredita que é o papel da imprensa na disseminação das informações para o enfrentamento à pandemia e quais os prejuízos que a censura e os ataques governo a imprensa podem causar em um contexto de tanta insegurança?

Acredito que o primeiro papel da imprensa é justamente isso: passar, esclarecer, ser aquele mediador da informação honesta com os contraditórios para formar uma opinião, um senso comum na comunidade, na sociedade, capaz de qualificar nossa cidadania, qualificar a nossa democracia. Então, acho que a imprensa tem um papel muito importante de disseminar informações corretas, insistir na questão da reclusão, do isolamento social que é muito importante nesse momento. Eu participo do comitê da UFPel de acompanhamento da progressão da Covid-19  e é muito claro entre os especialistas, os médicos, os enfermeiros e os cientistas de que o isolamento social é a forma mais adequada, mais importante e mais eficaz para evitar o colapso do sistema de saúde e ao mesmo tempo a disseminação do vírus nesse momento. Principalmente agora que a gente está tendo os primeiros casos em Pelotas. É óbvio que quando o presidente vai a público e faz, em rede nacional, agora, ainda pagando 48 milhões para fazer a campanha de voltar à normalidade nesse momento, esse presidente presta um desserviço e vai de encontro, frontalmente batendo nos interesses do seu povo. Ele está preocupado com a economia, com as questões da Bolsa de Valores e não está preocupado com o seu povo. Não é uma opção entre economia e saúde. A pandemia não coloca essas questões e nem os cientistas colocam isso quando propõem esse isolamento. Na verdade, o impacto na economia de uma pandemia que não é controlada é muito mais nefasto, muito mais prejudicial do que esses poucos momentos. 

O que o governo tem que fazer, no meu entender, não é desacreditar os cientistas, desacreditar as estratégias das universidades, das prefeituras, dos governadores de combate à pandemia, dizendo que é uma gripezinha, o que não é. O que o governo tem que fazer é se preocupar como vai manter esses pequenos negócios, os trabalhadores que estão sem recurso, é de se investir recursos na sociedade para que ela dê conta de poder ficar em casa, é de combater a pandemia sem que para isso tenha que sacrificar pessoas por falta de leitos de UTI. O que a sociedade tem que fazer também é cobrar do seu governante essas medidas econômicas que são tarefas do Governo Federal, que são tarefas do presidente fazer. O presidente atrapalha toda essa campanha. Inclusive, já tiveram manifestações aqui em Pelotas e em outras regiões de gente querendo fazer passeatas e carreatas em prol da volta às atividades econômicas o que seria um risco muito grande e causaria um efeito colateral, que não é pequeno, de que pessoas morrerão por causa dessa atitude, pessoas que talvez precisem de internação por contrair o vírus e não terão um leito de UTI para seu tratamento, não terão respirador. É óbvio que o governo Bolsonaro atrapalha a sociedade. Ele não governa para a sociedade, ele governa para o interesse de alguns poucos e nesse sentido é muito difícil, inclusive, para aqueles que,  como cientistas, como pessoas que tem responsabilidade com o seu povo, manterem e fazerem a defesa da racionalidade, daquilo que é importante fazer para evitar que essa pandemia se torne uma coisa como na Itália e em outros países, que se perde um pouco o controle e muita gente morre abandonada porque não têm acesso ao hospital, tem que ficar em casa e não pode nem em enterrar os seus mortos. A gente pode pensar: mas o que eu tenho a ver com os outros? Quando você pega o número de pessoas, simplesmente pega uma estatística, você não está vendo o sujeito, a pessoa que está lá. E, aqui, não se trata de estatística, pode ser o seu avô, seu pai que vá precisar disso. O cuidado que a gente tem que ter é muito importante, por isso o papel da imprensa de bater muito nessa tecla do isolamento, com base em evidências científicas, é fundamental. Volto a dizer que o isolamento também é importante porque o Estado não tem condição, não tem recurso para fazer a testagem de todo mundo. Se a gente conseguisse testar todo mundo, a gente poderia ter uma estratégia mais diluída, mas não tem, então a gente não sabe quem pode estar com o vírus mesmo sendo sem sintomas e passar para alguém que possa ficar doente em função disso. Me parece que o governo Bolsonaro, e Bolsonaro especificamente, acaba criando de fato uma insegurança e um conflito que não ajuda de modo algum a sua população. E a gente volta lá no começo, na primeira pergunta que respondi sobre as estratégias de criar confusão, que são características desse governo: a sua inoperância no setor da economia, em várias áreas do seu governo, e a sua incapacidade de governar mascarada por essas posturas contraditórias de gerar confusão e desinformação na sociedade.


Há algo mais que você queira colocar sobre a relação do jornalismo e a pandemia?

Ainda há uma última questão sobre a relação da imprensa com o papel de divulgação das informações. Eu acho que é preciso que a imprensa paute e cobre do governo as medidas econômicas que possam socorrer os pequenos comerciantes, os pequenos negócios, os trabalhadores que estão na iminência de ficar sem seu salário e sem renda, os trabalhadores informais, enfim. Que pautasse e que de fato discutisse, em uma perspectiva econômica, que não fosse apenas liberal, mas que levasse em consideração economistas importantes que entendem que a presença do estado é importantíssima para o desenvolvimento da sociedade. Essa talvez seja a principal lição desse momento da pandemia, em que quando até os mais liberais entendem que é preciso que o Estado intervenha na economia para salvar as pessoas da fome, da falência. No meu entender, o próprio paradigma da grande mídia de que quanto menos Estado melhor, quanto mais ajuste fiscal que tira dos mais pobres, tira da circulação da sociedade o Estado como indutor de desenvolvimento, que essa pauta deveria entrar também nesse momento de pandemia, de poder ouvir economistas que entendem que a presença do Estado é importante... Porque, se a gente não sair dessa pandemia com uma visão mais aberta sobre o papel do Estado na vida das pessoas, ou seja, de entender que não há iniciativa privada que dê conta das demandas de uma sociedade complexa e multicultural e que se ficar na mão só da iniciativa privada, se o Estado sair da economia e deixar de ser um indutor econômico, nessa linha que o Guedes tem proposto e que é secundado, aplaudido e aprovado pela grande mídia do capital... Essa pandemia está nos ensinando exatamente que, na hora da crise, o Estado é sumamente importante para proteger os cidadãos para os quais a quem ele serve.


Assessoria ADUFPel 

Foto: Arquivo pessoal e Freepik

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