Reforma da Previdência muda Constituição para privatizar direitos
A Reforma da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição - PEC 06/2019) vem sendo
considerada como um dos maiores ataque aos direitos sociais da classe
trabalhadora. Além de retirar direitos previdenciários e assistenciais, a PEC
tem outro caráter perverso. Ela pretende excluir da Constituição Federal
todas as regras referentes às aposentadorias, tanto do setor público quanto da
iniciativa privada, além disso altera o artigo 194 da Constituição,
acabando com o conceito de Seguridade Social.
Solidária e por repartição
A Seguridade Social brasileira – composta pelo tripé Saúde, Previdência e Assistência – se baseia em um sistema de repartição solidária. Foi introduzida na Constituição de 1988 com o propósito de proteger toda a população. Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé, estabeleceram também as fontes de receitas – as contribuições sociais – pagas por toda sociedade. Com isso, estabeleceu-se maior segurança de arrecadação para o sistema, com o qual todos contribuem e do qual todos usufruem. Trata-se de um sistema solidário.
Nessa lógica, as empresas passaram a pagar a Contribuição
Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), um imposto que incide sobre a sua
lucratividade. Além disso, elas são obrigadas a contribuir para o INSS,
diretamente na folha de pagamento. Os trabalhadores também contribuem ao
instituto, pagando um percentual que é descontado mensalmente sobre seus
salários. E toda a sociedade contribui por meio da taxação embutida em tudo o
que adquire (Cofins).
Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e
serviços, receitas provenientes de concursos, loterias e prognósticos, PIS,
Pasep, entre outras. E essas diferentes fontes de financiamento têm garantido
um saldo positivo para a Seguridade Social. “A Seguridade Social tem sido altamente
superavitária nos últimos anos, em dezenas de bilhões de reais”, comenta Maria
Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida.
A auditora alerta que a reforma pretende acabar com o
sistema de seguridade, solidário e por repartição. A lógica da PEC é que sejam
destinados à Previdência apenas os recursos arrecadados com o INSS. Ou seja,
apenas as contribuições pagas pelos empregadores e pelos empregados, sobre a
folha de pagamento.
“Separa o que vai para a Previdência, o que vai para a
Saúde e o que vai para a Assistência. Individualiza o orçamento e destrói a
lógica de repartição solidária”, acrescenta Fatorelli.
A auditora explica que com a proposta de sistema de
capitalização, contida na PEC, os recursos destinados à Seguridade vão diminuir
drasticamente. Isso porque, com esse modelo, as empresas não precisam dar sua
parcela de contribuição ao INSS. Além disso, a contribuição do trabalhador será
aplicada no sistema financeiro e não mais administrada pelo Instituto Nacional
de Seguridade Social.
“Se essa PEC passar com a proposta de capitalização, vão
abrir vagas (de emprego) só para quem optar pela capitalização, porque as
empresas não vão ter que contribuir. Com isso, vão parar de entrar recursos na
Seguridade, e vai comprometer todo o sistema”, afirma Fatorelli.
Objetivos da PEC
“Acompanho esse tema desde 1988. Essa é a PEC com mais
profundidade de ataques aos direitos da classe trabalhadora brasileira. É uma
PEC que não está estruturada 'apenas' sobre a destruição dos direitos
previdenciários, o que já seria bastante. Ela incide também sobre outros
direitos e outras áreas, como os direitos trabalhistas, o Sistema Único de
Saúde no âmbito da compra e distribuição de remédios, o financiamento do BNDES
e a assistência social”, acrescenta Sara Granemann, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
De acordo com a docente, os dois objetivos centrais da PEC
são a desconstucionalização da matéria previdenciária e a introdução do sistema
de capitalização. O primeiro retira da Constituição os direitos referentes à
aposentadoria.
Esses passarão a ser regulados por lei ordinária. Já o
segundo tem o propósito de privatizar a Previdência e torná-la um investimento
- de alto risco – para trabalhadoras e trabalhadores.
“A desconstitucionalização rompe com as regras e os
preceitos democráticos que a redemocratização tornou possível através das lutas
sociais nas décadas de 1970 e 1980. Romper com os mecanismos - ainda precários
- do Estado de Direito brasileiro é, sem meias palavras, desferir violenta
lategada à democracia como um todo”, ressalta.
Desconstitucionalização dos direitos
A PEC 06/2019 prevê que uma lei complementar de iniciativa
do Executivo federal disporá sobre a organização e funcionamentos dos Regimes
Geral (RGPS) e Próprios de Previdência Social (RPPS). Ou seja, as regras gerais
de acesso aos benefícios, de cálculo do seu valor e de posteriores reajustes,
por exemplo, serão estabelecidas por lei ordinária.
Leis complementares tramitam com mais facilidade no
Congresso. Isso porque são aprovadas em apenas um turno e exigem quórum de
votação menor.
Para aprovação de uma PEC são necessárias votações em dois
turnos, com aprovação de três quintos dos parlamentares. Na Câmara, são 308
votos favoráveis. Já no Senado, 49. Assim, há muito mais espaço para pressão
social e para numerosas manifestações de descontentamento da classe
trabalhadora, como as que já vêm ocorrendo.
Sara reforça que, para consolidar o sistema de
capitalização da aposentadoria dos trabalhadores brasileiros, é necessária a desconstitucionalização
dos direitos previdenciários. Ou seja, é preciso que o assunto previdenciário
deixe de figurar na Constituição.
“Claro que isto não impede que se ‘sacrifique’ a
desconstitucionalização em favor da capitalização. A última é o fim, a primeira,
o meio para continuar a ajustá-la no tempo futuro”, afirma.
Constitucionalização dos ataques
Ao mesmo tempo em que a PEC desconstitucionaliza os
direitos previdenciários e desmonta a Seguridade Social, insere novas regras na
Constituição. Autoriza, por exemplo, a progressão de contribuições ordinárias e
a criação de contribuições extraordinárias, a serem cobradas dos servidores
públicos. Amplia, também, a vedação de acumulação de proventos de aposentadoria
entre os Regimes de Previdência.
Constitucionaliza, ainda, a criação do sistema de
capitalização no RPPS e RGPS, que será regulamentado por lei do Executivo. Ou
seja, a Constituição Federal passará a autorizar que uma futura lei
complementar institua a capitalização da aposentadoria de todos os brasileiros.
“A capitalização é a razão de ser dessa PEC. É ela que
conduz o que deve ser mudado. E, para que dê certo, é necessário
desconstitucionalizar nossos direitos”, reforça Sara Granemann.
Fonte: ANDES-SN