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Reuni Digital - 'Não é sobre democratizar, é sobre expandir'

Matéria publicada no Voz Docente nº 8


Gestado durante a pandemia, o Reuni Digital é resultado de um processo de precarização e mercantilização do ensino superior que já vinha sendo incubado há muito tempo. Seu anúncio foi feito logo em abril de 2020, nas redes sociais do Ministério da Educação, mas apenas em julho de 2021 a proposta preliminar foi divulgada, trazendo como título “Reuni Digital - Plano de Expansão da EAD nas IES públicas federais”.


No texto, elaborado por um Grupo de Trabalho, pela equipe da Secretaria de Educação Superior (Sesu) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), atravessam-se vários pontos polêmicos. Entre os principais, o aproveitamento do expediente do ensino remoto como estratégia para cumprir as metas de expansão do Ensino Superior presentes no Plano Nacional da Educação (PNE): elevar a taxa bruta de matrícula para 50% e ampliar em 40% o número de novas matrículas para o ensino público. 


Doutora e Mestre em História e Política Educacional, além de professora aposentada da UFSC, Olinda Evangelista, avalia que a proposta de Reuni Digital pega carona no próprio projeto de Reuni instaurado pelo governo Lula a partir de 2007 – que já havia se desenvolvido sob uma série de críticas.  “Na época, houve quase que uma chantagem para que as Universidades aderissem ao Reuni. Se quisessem receber certo recurso, era preciso aderir”, relembra, em entrevista ao podcast Viração, da ADUFPel.


Por conta do Reuni, a Universidade sofreu grandes impactos na sua organização profissional, acadêmica e pedagógica. Surgiram diversos campi novos no interior e os cursos noturnos se estabeleceram. No entanto,  sempre em condições de precariedade e incerteza. Obras iniciadas, por vezes, nunca foram concluídas. A expansão de vagas, sem a devida infraestrutura, não se traduziu necessariamente em qualidade. Mais do que isso, conforme o GT-IES estabelecido pelo MEC em 2018, o plano deixou um passivo de pouco mais de R$ 4 bilhões entre as instituições de ensino.


Ainda que não poupe críticas, Olinda avalia que a situação não se compara à proposta do Reuni Digital. “Desde os anos 2000, o mote para a educação tem sido a democratização do acesso. No governo Bolsonaro não se fala em democratizar, apenas em expandir”. E este caminho de expansão seria feito a partir das plataformas digitais; barateando custos, precarizando ensino e promovendo uma série de armadilhas.


"Uma das propostas é que cursar disciplinas à distância seria considerada mobilidade acadêmica", esclarece. Cursar uma disciplina na França e cursá-la no Brasil em francês, por exemplo, não é a mesma coisa. Ainda assim, seria considerado "internacionalização", algo amplamente buscado pelas Universidades. "São várias seduções colocadas no texto, sem a devida explicação, para estimular sua adesão integral".


Ensino Híbrido

Na avaliação da professora, a pandemia criou um "caldo bastante favorável para a assunção dessas modalidades tecnológicas como permanentes". O discurso é  facilmente apropriado como "oportunidade diante da crise" pelo Capital de ensino, que já se preparava para essa movimentação dentro dos próximos anos.


O lobby se converte em pesquisa de mercado. A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), representante das particulares,  encomendou um estudo para verificar a demanda por iniciar cursos de graduação durante a pandemia. O resultado, de 46% de supostos estudantes desejosos de cursar EAD é mais do que justificado pelas condições do nosso atual contexto de saúde pública. No entanto, são tergiversados para promover o ensino integralmente remoto.


Por outro lado, o verdadeiro legado deixado pelos tempos pandêmicos é a normalização do chamado “ensino híbrido”; cujos lastros vem sendo reforçados desde o governo golpista. Em 2018, a portaria nº 1.428, de 28 de dezembro de 2018, permitia a aplicação de até 20% da carga horária dos cursos na modalidade de Ensino à Distância. 


Já no governo Bolsonaro, ela foi revogada pela portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, que amplia o teto para até 40%. O relatório preliminar do Reuni Digital propõe que a carga horária virtual seja sempre disposta no limite máximo da porcentagem – exceto cursos de Medicina. Entre as ações futuras está a de avaliar a criação de uma Universidade Federal Digital. 


Bases da Universidade

Uma das inquietações patentes a partir do relatório é como a proposta transformaria o conceito vigente de Universidade, enquanto instituição calcada no tripé Ensino-Pesquisa-Extensão.


Ainda em 2019, a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) denunciava as manifestações de apologista que defendiam a inclusão de Inovação Tecnológica ao tripé clássico. Argumentavam que era preciso assumir protagonismo na produção. Inovação, entretanto, é avaliada pela Associação como uma "faceta do processo de mercantilização da ciência promovido pelo neoliberalismo". Não por acaso, está sempre vinculada a outro termo vigente: empreendedorismo.


Todavia, mesmo sem a adesão de novos elementos, o terreno que sustenta os anteriores vem sendo paulatinamente fragilizado. "Hoje a Extensão já está fortemente mercantilizada", provoca Olinda. "Muitos projetos são constituídos na forma de serviços prestados, para o poder público ou iniciativa privada, e este serviço é cobrado". 


No âmbito da pesquisa, a professora recorda as formas como empresas financiam bolsas de estudo para os alunos e orientadores, especialmente nas áreas das Engenharias. "Eu já participei de bancas na UFSC em que tive que assinar um termo de confidencalidade. A pessoa produziu um software, não o mostrou em momento algum e ele não pertencia à Universidade, mas a empresa financiadora". Subordinada aos interesses do mercado, a função pública da Universidade e do conhecimento nela produzido é posta de lado.


Encontramos, assim, estruturas de privatização que não são clássicas, pois elas não representam venda do patrimônio, mas sim como uso do patrimônio da universidade".


Futuro?

Atravessa toda a leitura do projeto o medo do esvaziamento da formação que, por ter uma perspectiva pragmática voltada para atender a demanda do mercado do trabalho, escanteia disciplinas de natureza teórica e crítica. 


Diante de sua experiência enquanto pesquisadora da educação, Olinda Evangelista vê como um argumento vulgar a acusação de que os professores contrários ao Reuni Digital seriam anacrônicos, ou que tentassem lutar contra o futuro e a tecnologia.


“O que ocorre é que nós enxergamos uma série de problemas que precisam ser discutidos. Eles vão da divisão da carreira docente – com o estabelecimento da figura do ‘tutor de EAD’; dos perigos do estabelecimento da relações público-privadas; do enfraquecimento das relações políticas entre estudantes, técnicos-administrativos e docentes”, elenca ela.


Assessoria ADUFPel

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