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Memórias da ditadura na UFPel é tema de roda de conversa promovida pela Comissão Universitária da Verdade

Na noite desta terça-feira (25), a Comissão Universitária da Verdade, com o apoio do Grupo de Trabalho de Memória do Movimento Docente da ADUFPel, realizou uma roda de conversa que resgatou experiências e debateu os impactos da ditadura empresarial-militar na Universidade Federal de Pelotas. Com o tema “Memórias da UFPel em Tempos de Ditadura”, a atividade ocorreu no Auditório do Museu do Doce e reuniu docentes, jornalistas e servidores/as que vivenciaram diretamente os efeitos do regime autoritário no ambiente universitário.

O encontro teve como objetivo contribuir para o resgate e a preservação da memória institucional, dando visibilidade às trajetórias e vozes silenciadas durante os anos de repressão. Participaram da roda Luiz Henrique Schuch (professor aposentado da UFPel), Luiz Carlos Vaz (jornalista), Maurício Polidori (professor da UFPel e estudante à época) e Vera Lopes (jornalista e servidora técnica no período).

Ao trazer diferentes perspectivas sobre esse período da história brasileira, a atividade reforçou a importância da memória como instrumento de justiça, reflexão crítica e construção democrática no presente. As falas dos participantes, registradas ao longo da noite, foram destaque na programação e deram corpo ao debate.

Durante a atividade, a jornalista e servidora técnica aposentada Vera Lopes foi a primeira a compartilhar suas memórias. Ingressou na UFPel como funcionária em 1983, quando o regime militar já havia perdido força, mas ainda deixava marcas visíveis na estrutura e na cultura institucional da Universidade.

Ela relembrou o contexto da nomeação do então reitor da época, José Emílio, uma figura que, segundo ela, causou estranhamento entre a comunidade acadêmica. “O reitor era uma figura assim, um pouco fora do comum. Era um senhor chamado José Emílio, agrônomo, que de repente veio, segundo me informaram”, relatou.

Vera contextualizou que, naquele período, a escolha dos reitores seguia uma espécie de rodízio entre as faculdades, como Agronomia, Direito e Odontologia, mas que a indicação de José Emílio teria vindo diretamente do Ministério da Educação, sem respaldo ou acordo interno. “Para a comunidade, parecia uma coisa completamente de paraquedas. Alguém que trabalhava na Costa Rica, agrônomo, foi indicado provavelmente pelo MEC, porque não tinha havido consenso dentro da Universidade”, contou.

Ela também mencionou a presença ainda simbólica de figuras ligadas ao regime, como o general Vignoles, que mantinha uma sala na instituição e cuja atuação anterior pesava no imaginário dos/as servidores/as. “Havia, entre os funcionários, um respeito meio velado com as coisas do general. Em 83 ele já não era tão significativo, mas ainda tinha uma salinha.”

Ao abordar sua experiência com a Rádio da UFPel na época, Vera destacou o controle rigoroso da comunicação institucional. “A rádio era completamente fechada. Fechada no sentido de ser gravada e depois ir para o ar. Com um controle absoluto, que passava pela Secretaria de Comunicação da UFPel”, explicou. Segundo ela, os conteúdos eram previamente editados por jornalistas ligados à Reitoria, e os diretores da emissora ocupavam cargos definidos por acordos políticos, o que reforçava a vigilância sobre o discurso veiculado.

Na sequência, o professor Maurício Polidori compartilhou seu percurso na UFPel, iniciado ainda nos tempos de repressão política. Formado no Colégio Gonzaga em 1977, ingressou na Universidade no final da década de 1970, período em que o regime ainda impunha severas restrições à organização estudantil.

Logo nos primeiros anos de faculdade, Polidori se envolveu com o movimento estudantil, integrando o centro acadêmico de seu curso e, posteriormente, participando da criação do DCE Livre, alternativa ao Diretório Central dos Estudantes oficial, que à época era controlado diretamente pela Reitoria. “O DCE era indicado pelo reitor”, relembrou.

Um dos episódios mais marcantes de sua fala foi a lembrança da instalação de uma placa simbólica no campus da Faculdade de Direito, em alusão à resistência estudantil durante o regime militar. “Quando nós festejamos 30 anos do movimento estudantil, colocamos uma placa na praça do Direito. Aqui mijamos na ditadura. Porque a praça era subterrânea, o banheiro funcionava ali, e a gente mijava na praça mesmo. A frase foi da Bitisa, uma colega nossa. Eu disse: eu faço a forma. E fizemos a placa”, contou. A placa original foi retirada, mas o grupo não se intimidou: “Fizemos outra. E colocamos: Aqui mijamos mais na ditadura. Se tirassem de novo, já tínhamos espaço para muitos sinais de mais.”

Polidori encerrou sua fala destacando a potência do sonho coletivo que impulsionava aquela geração, mesmo diante da repressão. “O sonho era maior. O sonho era imensurável, era estasiante. Nós acreditávamos numa coisa que não sabíamos exatamente o que era. Mas acreditávamos que sim. Que dava. Que era. Que nós íamos fazer.”

O professor aposentado Luiz Henrique Schuch, um dos fundadores da ADUFPel, compartilhou sua trajetória na Universidade a partir de quatro momentos históricos que marcaram sua relação com a instituição. Ingressou como estudante da Faculdade de Veterinária em 1970, pouco tempo após a promulgação do Ato Institucional nº 5 e da criação do regimento da UFPel. Formou-se em 1974 e retornou como docente em 1976, após um breve período de atuação profissional no campo.

A repressão também se manifestava por outras vias, como lembrou o professor ao citar a atuação da Assessoria de Informações (ASI) e seus esforços para impedir a criação de uma entidade docente autônoma. Segundo Schuch, a tentativa de neutralização do movimento deu origem à criação da ASUFPel — uma entidade “domesticada”, concebida para enfraquecer a ADUFPel nascente. “Eles usaram o artigo 136 do Estatuto da UFPel, que fala sobre a solidariedade universitária, para justificar a criação de uma entidade sob controle deles. Mas a resposta veio rápido: todos nós, docentes, nos filiamos à ASUFPel e, na primeira eleição, derrubamos aquela diretoria para assumir com a galera autêntica do movimento docente e técnico-administrativo.”

“Foi um período de rearticulação dos movimentos sociais, de retomada das lutas por democracia. Em 1983, fui eleito presidente da ADUFPel, e mais tarde diretor da Faculdade de Veterinária, sempre impulsionado por essa onda de que dirigentes deveriam ser eleitos diretamente pela comunidade”, contou. Sua atuação culminou na participação da primeira Reitoria eleita por voto direto na UFPel, entre 1988 e 1992.

Fechando a roda de conversa, o jornalista Luiz Carlos Vaz compartilhou uma lembrança vivida ao lado de Vera Lopes, durante o período em que ambos trabalharam na Rádio da UFPel. Com ironia e bom humor, relatou um episódio emblemático que ilustra os limites impostos à liberdade de imprensa dentro da universidade sob a influência da ditadura.

Segundo Vaz, ele e Vera apresentavam o programa Federal Entrevista, que ia ao ar pela manhã e tratava de assuntos variados. “Era o melhor programa já levado ao ar em toda a galáxia”, brincou. Certa vez, uma pauta conduzida por uma estagiária — filha de um vereador filiado à Arena — abordou um caso de intoxicação alimentar no Restaurante Universitário. A entrevista com o estudante afetado acabou incomodando a instituição. “Aquilo causou. Caiu mal no estômago da Reitoria”, ironizou.

Poucos dias depois, sem aviso prévio, o chefe do setor de comunicação entrou no estúdio para anunciar o fim do programa. “Sentou e disse: hoje é a última edição. Vamos reestruturar, ver como fica. Eu não sei se eu e a Vera tivemos um colapso ou coisa parecida.”

A resposta veio em forma de música. Mesmo antes de saber que o programa seria encerrado, Vaz já havia escolhido a canção de encerramento: “Apesar de Você”, de Chico Buarque — um dos hinos da resistência à ditadura. “O nosso chefe olhou e disse: ‘Mas tu é safado’. E eu respondi: ‘A música eu tinha escolhido desde o começo’”, contou, arrancando risos da plateia.

Mais adiante, Vaz também refletiu sobre a importância da preservação da memória, tema que estudou academicamente. “Eu tenho medo de perder a memória. Porque quando a gente perde a memória, a gente não é mais nada”, afirmou. Para ele, atividades como a roda de conversa cumprem um papel essencial: “Tudo isso que a gente sabe, que a gente leu, a gente leu em algum lugar, ouviu de alguém. Recuperar e contar essas histórias é uma tarefa de grande fundamento. E é algo que todos deveríamos fazer, inclusive com as histórias das nossas famílias.”

Texto e fotos: Assessoria de Imprensa ADUFPel

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