Nota de repúdio ao projeto Escola Sem Partido
Reunidos em assembleia da comunidade universitária no dia 16 de agosto, os segmentos docentes, técnico-administrativos e estudantes da Universidade Federal de Pelotas, representados pela ADUFPel-SSind, ASUFPel e DCE, aprovaram uma nota de repúdio ao projeto intitulado Escola Sem Partido, protocolado em âmbito municipal no dia 15 de agosto. Assinado pelos vereadores Enéias Clarindo (PSDB) e Fabrício Tavares (PSD), o conteúdo da proposta visa cercear o pensamento crítico nas escolas, sob o pretexto de “neutralizar a questão política, ideológica e religiosa” no ensino.
A proposta de lei, além de ferir a liberdade de ensino, é uma grave ameaça ao avanço dos direitos humanos. Isso porque cerceia o debate em torno de questões como sexualidade, gênero e religião, contribuindo para a injustiça social e a manutenção de desigualdades entre homens e mulheres. Além disso, coíbe a discussão sobre política e reduz os estudantes a receptores passivos, sem capacidade de formular sua própria opinião a partir dos debates em sala de aula. Nesse sentido, o projeto versa sobre o papel do professor, afirmando que professor não é educador. À família caberia o papel de educar e ao professor o de apenas reproduzir conhecimento, diferente do que coloca o artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Já o artigo 206 versa sobre os princípios do ensino, que deve apreender o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, concepções estas desconsideradas e/ou reduzidas pelo Escola Sem Partido.
O Escola Sem Partido, ainda, fere tratados internacionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o próprio Plano Municipal de Educação de Pelotas. Tais documentos garantem, por exemplo, que práticas de racismo, homofobia, intolerância religiosa e machismo sejam combatidas. Mas como repensar essas práticas, inclusive analisando-as como práticas historicamente colocadas em nossa sociedade, se o professor for vetado de discutir estes assuntos? A neutralidade sobre a qual versa o Escola Sem Partido, portanto, será uma forma de manutenção de tais práticas de ódio e violência.
Ainda em relação à neutralidade, importante salientar que o vereador Enéias Clarindo propôs à Câmara de Vereadores, neste mesmo mês de agosto, a Semana e o Dia Municipal da Bíblia no município de Pelotas. Na justificativa do vereador, “a bíblia é o livro mais importante já escrito”. Nota-se, assim, que a neutralidade defendida no projeto, o qual também visa banir da educação o ensino sobre as diversas religiões, é pontuada por um parlamentar que tenta instituir uma semana de reflexões para apenas uma religião, desconsiderando a diversidade de crenças da população. Mesmo assim, ele protocola o projeto Escola Sem Partido pedindo isenção dos professores e sanções àqueles que não aceitarem se conter à lista de assuntos permitidos em sala.
Inconstitucionalidade
Projeto semelhante ao protocolado em Pelotas foi aprovado no estado de Alagoas, sendo derrubado neste ano por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A ADI foi deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso. O magistrado, na decisão, argumenta: “[A lei] é tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem”. Segundo Barroso, ainda, o projeto implica desconfiança em relação ao professor. “Não se pode esperar que uma educação adequada floresça em um ambiente acadêmico hostil, em que o docente se sente ameaçado e em risco por toda e qualquer opinião emitida em sala de aula”, pontua.
Por uma escola sem mordaça!
Pelos motivos expostos, a comunidade acadêmica da UFPel repudia veementemente o Escola Sem Partido. Nos posicionamos pela liberdade de ensino, pelos debates críticos em sala de aula e por uma escola sem mordaça, sem perseguição aos professores e sem menosprezo ao senso crítico dos alunos.
ADUFPel, ASUFPel, DCE