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‘Se você fica em casa, você salva muito mais vidas do que nós’, declara enfermeira Amanda Ramalho

A enfermeira pelotense, de 33 anos, Amanda Ramalho, teve suas rotinas pessoal e profissional completamente alteradas desde o início da pandemia. A profissional, que atua no Hospital Escola e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Areal, responsável pelo processo de triagem dos casos suspeitos de COVID-19, desde então, não tem mais contato com familiares e amigos. 


Em suas redes sociais, ela compartilha um pouco do seu dia a dia e expõe os desafios e as dificuldades de estar na linha de frente no combate ao coronavírus, exteriorizados nas marcas em seu rosto. Estas, fizeram com que sua foto fosse parar na capa do jornal The New York Times no dia 11 de maio, sendo destaque internacional ao lado de outros profissionais da saúde de todo o mundo. 


Em entrevista a ADUFPel, Amanda contou um pouco mais sobre o que mudou em sua vida e como lidou ao chegarem os primeiros casos de COVID-19 na UPA Areal. Ainda, apontou a relevância da saúde e da educação públicas e atentou para a importância de respeitar o isolamento social. 


Confira parte da entrevista que foi veiculada no programa de rádio da ADUFPel, o Viração, no início desta semana. Clique aqui para ouvir.


O que sentiu quando começaram a aparecer os primeiros possíveis casos de Covid-19 na UPA onde trabalhas? Teve medo, ficou apreensiva? 

Eu acho que é difícil a gente dizer que não tem medo, não ficar refletindo sobre o que isso vai interferir na nossa vida profissional e pessoal, mas, quando a gente coloca o jaleco, a gente não pensa no medo, a gente está ali para atender o outro e é isso que eu faço. Na verdade, os primeiros casos, quando começaram aparecer, parece que a gente foi entrando em uma realidade que até então estava distante, estava acontecendo lá do outro lado do mundo, lá em outro continente, e que no fundo eu acho que todo mundo tinha uma esperança de que isso está acontecendo lá longe da gente, isso não vai acontecer aqui, e aconteceu. Eu lembro do primeiro caso que eu atendi. Logo no início, lá no início de março, a gente fazia as coletas quando era um caso suspeito, então não tinha essa fase de transmissão comunitária. A gente coletava para saber dos exames, se era positivo ou negativo, dos casos suspeitos que procuravam os serviços de saúde. O primeiro caso que eu atendi foi de um paciente que tinha tido uma viagem ao exterior. Ele procurou o serviço porque estava com sintomas. Ele estava com todo o quadro de uma síndrome gripal e tinha visitado algum daqueles países que já estavam com milhares de casos. A gente atendeu ele, fez a coleta de exame que veio negativa. A partir dali a gente começou a ter uma real noção do que o que estava acontecendo nos outros lugares. Estava começando ali para a gente naquele dia.


Como vocês lidam quando chega um possível caso de COVID-19?

Quando chega um caso que é suspeito ou positivo, a gente tem salas separadas para deixar esse paciente lá isolado. Então, se o paciente, hoje, chega com falta de ar por exemplo, e com teste positivo, a gente vai deixar ele em uma sala de isolamento. Se chegar outro também com teste positivo, vai ficar junto lá, mantendo sempre uma distância, onde foi tudo planejado e organizado. Se o paciente é suspeito e está com quadro de síndrome gripal, febre, tosse, algum outro sintoma, a gente coloca em uma outra sala. Lá tem cadeiras que viram camas, que eles ficam separados. Embora seja dentro do mesmo ambiente, a gente mantém uma distância mínima, eles ficam de máscara, nós orientamos todos os cuidados que eles têm que ter ali dentro, de não ficar conversando, de não ficar tocando nos objetos, de sentar ali e ficar aguardando a conduta médica. Dessas salas, eu ainda era a responsável técnica quando comecei a organizar. Inclusive, a sala de emergência de COVID, que é quando o paciente já chega com sintomas muito descompensados, já chega com uma exacerbação muito grande. Então, a gente leva esse paciente para a emergência e lá ele vai ter todo o suporte que ele precisa.


Imaginaste que ao longo da tua carreira irias passar por algo parecido?

A gente nunca imagina que fosse estar em uma guerra, embora esse tenha sido o motivo de eu ter escolhido a Enfermagem. E é muito estranho. É uma guerra que parece que é nossa. Enquanto que todo mundo fala: "Esses profissionais da Saúde salvam vidas, salvam as pessoas que estão contaminadas com COVID", mas se você fica em casa, não sai desnecessariamente de casa, você salva muito mais vidas do que nós, com certeza.


O que mudou na tua rotina desde o início da pandemia? Como tem sido o contato com a tua família desde então? Moras sozinha ou passou a morar?

A minha rotina mudou muito porque eu não tenho mais contato com pessoas. Desde o dia 12 de março eu estou isolada em casa com a minha cachorrinha e só tenho contato com pessoas do mesmo trabalho que eu, seja na UPA, seja agora com os meus colegas da EBSERH. Não tenho como ficar andando na rua, saio o mínimo possível. Como eu moro sozinha, às vezes eu tenho que ir no supermercado, mas faço o mínimo possível para sair na rua porque eu tenho muito medo, não de sair na rua e me contaminar com as pessoas que estão por aí, mas de eu ter o vírus e estar assintomática e contaminar os outros. O meu medo é contaminar as outras pessoas. Ninguém merece, ninguém precisa disso. Por isso que eu, enquanto profissional de saúde, fico em casa e espero isso dos meus colegas, principalmente. Tem que partir de nós, da área da saúde, a iniciativa de ficar dentro de casa, porque qualquer um de nós que atende público, pode estar contaminado e não ter os sintomas. Em uma saída, em um descuido, a gente já contamina uma pessoa que já vai contaminar outra. 


Aumentaste a tua jornada desde então?

A jornada de trabalho não aumentou, mas, assim como eu, outros colegas também começaram a trabalhar em outros serviços devido a uma grande necessidade e demanda do sistema de saúde do país. Até teve um cadastro, que até aproveito para dizer aos colegas da saúde que talvez não tenham visto…Tem um programa do Ministério da Saúde que é "O Brasil Conta Comigo". Lá você vai se cadastrar, vai fazer um curso, e, a partir daí, o Ministério da Saúde pode te convocar a trabalhar quando for necessário. Como já está acontecendo em vários outros locais devido ao grande número de casos positivos e de ter que abrir hospitais de campanha, abrir alguns outros serviços, mas também porque vários colegas nossos estão contaminados e acabam ficando em casa, então a gente precisa substituir. A iniciativa desse programa é muito interessante, que é para não deixar descoberto o serviço de saúde, para que a gente consiga atender todos vocês.


Tu poderias nos contar como é a tua rotina diária atualmente? Desde o momento que sai para o trabalho até o momento que volta para a casa e quais cuidados tens que tomar?

Hoje a minha rotina é... a gente tem que ter um cuidado muito grande. No hospital onde eu trabalho, a gente chega, tira toda nossa roupa e coloca uma roupa especial, uma roupa lavável, que a gente usa só lá dentro. A gente usa um sapato conforme as normas regulamentadoras, usa todos os equipamentos de proteção. A gente, antes de cruzar a porta, não leva a nada, fica tudo dentro do armário. Nenhum objeto nosso. A gente vai somente com as roupas que a instituição nos fornece. Todos os Equipamentos de Proteção Individual [EPIs] corretos nós usamos. Depois, lá dentro da Enfermaria COVID, se a gente vai sair para jantar ou fazer um intervalo, a gente sai, toma banho. A gente não vai sair com aquela roupa. A gente higieniza o óculos de proteção, higieniza o sapato, troca todos os Equipamentos de Proteção Individual. Então a gente sai, toma banho, coloca nova roupa, uma roupa limpa de novo, que Hospital fornece. Depois, quando vai entrar, pega todos os Equipamentos de Proteção Individual novos. A gente retorna depois de ter jantado ou almoçado, enfim. Quando a gente vai embora, também, a gente tem que tomar banho, lavar o cabelo. A gente não sai com nada nosso dali. Tudo é lavável, higienizável, e a roupa a gente coloca em um hamper e ela vai para a lavanderia hospitalar. Então, nenhum pertence nosso entra na Enfermaria COVID e quando a gente sai fica tudo ali. O que a gente entrou e usou lá dentro, fica lá dentro, e a roupa lavável vai para lavanderia. É um cuidado todo que a gente tem. 

É uma rotina que, se fosse em outros tempos...na minha jornada de trabalho que termina às 7 horas da manhã, eu iria passar o plantão para o colega e sair. Hoje não. Eu tenho que passar plantão, tenho que tomar banho, tenho que organizar as minhas coisas. Ao invés de eu sair 7h, às vezes é 7h30, mais de 7h30 quando a gente está recém saindo porque também pega a troca de plantão. Todo mundo saindo e todo mundo tomando banho, então, às vezes, a gente tem que aguardar um pouco. E está tudo bem. A gente está disposto a isso. A gente quer ajudar, a gente quer que as pessoas se recuperarem e fiquem bem. A gente vai fazer isso de maneira tranquila porque é isso que a gente se propôs a fazer. Tudo tem um propósito, a gente tem escolhas, e eu escolhi fazer isso. Eu me sinto muito feliz e grata de poder estar vivendo e ajudando nesta pandemia. Não tenho palavras para descrever o meu sentimento de poder estar todo dia nessa luta ajudando as pessoas.


Todos os EPIs que tens usado são fornecidos pela UPA? De onde eles vêm? Estão sendo suficientes?

Hoje, como eu trabalho em dois lugares, em relação aos Equipamentos de Proteção Individual, os dois serviços fornecem todos os EPIs de forma adequada, no início de cada plantão. Por exemplo, eu uso um outro óculos porque eu gosto, porque eu acho que ele se adapta melhor, então eu fui lá e comprei para mim. Mas não é sempre que eu uso ele, eu uso mais o que a UPA fornece para mim. A gente recebeu muita doação também ali na UPA, de protetores faciais. Várias pessoas já foram lá fazer doação. Então, a gente sempre tem todos os equipamentos que são normatizados para serem usados. Eu tenho a sorte e o privilégio de trabalhar em duas instituições que me fornecem tudo o que eu preciso. Embora, aproveitando, eu sei que não é realidade de vários colegas que estão aí na luta. Ao longo do país, a gente vê que falta EPI, que faltam insumos para atender as pessoas. Claro que em muitos lugares a falta não é nem por que o gestor daquele serviço não quer comprar, não tem recurso financeiro. Em alguns lugares é porque, embora tu tenhas todo esse recurso para comprar, não tem onde comprar. Agora, o mercado está se normalizando, dá para dizer. Mas até agora, em abril, a gente não tinha nem onde comprar as coisas. Então, acredito que vai melhorar para as próximas semanas, para os profissionais que não têm acesso aos equipamentos de proteção, o acesso a esses equipamentos.


Qual a importância da universidade pública para tua formação? E da saúde pública para teu trabalho? Achas que esse momento pode ser considerado como um marco importante para mostrar quão fundamentais são os serviços públicos?

Eu não tenho nem como descrever o seria da minha formação se não fosse a universidade pública. Na Universidade Federal, a gente participa ativamente do SUS, da construção do SUS. Eu ainda peguei o último ano de faculdade, foi em 2009, em que a gente podia fazer estágios voluntários. Então, eu tive a oportunidade de ter uma formação muito diferenciada. Eu participei de estágios extracurriculares em várias instituições públicas, hospitalares, Unidade de Terapia Intensiva [UTI], eu participei em hemodiálise, UTI neonatal. Eu tive todo esse suporte e tudo em serviço do SUS, de enfermeiros que estavam lá trabalhando e estavam dispostos a receber, me acolher, assim como toda a equipe de Enfermagem, os técnicos, principalmente, porque a gente fica muito junto deles para conhecer as rotinas, para conhecer os procedimentos. Eu não sei como que seria, como que é a formação de quem não tem essa vivência do SUS, que as universidades federais proporcionam. É incrível, tanto que a gente não consegue mais sair do SUS. A gente sempre acaba trabalhando em um lugar que é vinculado ao SUS. Eu não sei como funciona em outras instituições, mas, para mim, o SUS é para todos, de todos.


O que sentes ao ver alguém duvidar da gravidade da doença e desrespeitar o distanciamento ou o isolamento social? O que tens visto no dia a dia do teu trabalho e o que falarias para reforçar a importância dessas medidas?

Eu não consigo classificar ou dizer em uma palavra, duas, um adjetivo do que eu sinto em relação ao desrespeito do isolamento, desse distanciamento social. Eu vejo as pessoas na rua, fazendo exercícios. Hoje mesmo eu vi de novo um grupo de corrida, não era um grupo de três ou quatro pessoas, eram oito pessoas. Eu ainda parei o carro e fui contar, oito pessoas correndo na rua sem máscara. Teve até um estudo que falou de como é a propagação do vírus enquanto eu estou conversando parada com uma pessoa ou com relação quando a gente está em movimento. Então, tu imaginas, se ela [propagação] já é maior, imagina oito pessoas correndo na rua. Então, isso me deixa bem preocupada. Esta é a palavra. Como eu já tinha dito anteriormente, vou repetir aqui, se a gente puder, fica em casa. Eu sei que está um lindo dia lá na rua, tem um sol, as pessoas querem sair para tomar um mate. Mas será que isso vale a pena? Será que vale a pena eu sair na rua, me contaminar ou eu estar assintomática e contaminar uma pessoa? Uma pessoa que daqui a pouco tem uma doença, tem uma idade mais avançada e vai parar no hospital. Então, é essa a reflexão que eu gostaria que as pessoas fizessem. Eu não vou nem ficar na #ficaemcasa, a minha hashtag hoje é a para que as pessoas reflitam, reflitam sobre o ato delas, sobre as atitudes, essa ação de sair na rua, o que isso pode causar para mim e principalmente para o outro. Eu gostaria que refletissem muito sobre o que vale a pena.


Na foto que foi publicada no jornal The New York Times, o que mais é marcante são as máscaras no teu rosto. Além das marcas, quais outros problemas ou dificuldades enfrentas no dia a dia? Quais são os desconfortos de trabalhar diante de uma pandemia?

É um desconforto um pouco a mais só, assim como quem nunca usou uma máscara e está usando agora. Mas nada que a gente não se acostume, porque a gente sabe que aquilo ali tem um propósito e um propósito do bem, que vai ajudar muita gente. Então, isso tudo é minimizado diante disso. Todo esse desconforto é despercebido sabendo do motivo que a gente está usando essa máscara.


Assessoria ADUFPel


Fotos: Reprodução Instagram Amanda Ramalho

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